17.1.17

O risco

 
 
O risco
 
Leio na vida de S. Inácio um diálogo entre o fundador dos Jesuítas e o padre Lainez que é
profundamente esclarecedor.
— Se Deus, pergunta S. Inácio, lhe propusesse este dilema: ir agora mesmo para o céu,
assegurando a sua salvação, ou continuando na terra trabalhando pela Sua glória e comprometendo
assim cada dia a salvação da sua alma, que escolheria?
— O primeiro, sem dúvida, responde Lainez.
— E eu, o segundo, replica Inácio. Como acredita que Deus vá permitir a minha condenação,
aproveitando-se de uma prévia generosidade minha?
 
Estou, é claro, com S. Inácio. Estou pelo risco e contra a segurança. Sou pela audácia e contra o
comodismo. Julgo mais humano o atrevimento que a renúncia sistemática ao combate.
O risco é parte substancial da condição humana. Não se pode fazer nada de sério neste mundo sem
se expôr, muitas vezes, ao fracasso. E a única maneira de nunca se equivocar — ou de se equivocar
sempre — é renunciar a toda a aventura por pura covardia.
 
Creio que a obsessão pela segurança é um dos mais graves obstáculos para realizar uma vida. Não
excluo, claro está, a prudência, a reflexão antes da acção, o saber escolher as melhores
circunstâncias para a empreender. Mas a falsa prudência que acaba por ser paralisante é
insuportável.
 
Por isso, sinto pouca simpatia por aqueles que colocam a segurança como maior valor da vida. Às
vezes vêm jovens interrogar-me sobre a sua vocação e perguntam como estarei eu "seguro" de que
Deus me chama? A estes respondo, invariavelmente: Não tens vocação e nunca a terás enquanto
partires do conceito de segurança. Em toda a vocação, em todo o empreendimento há uma
componente de risco. E o que não for capaz de se arriscar um pouco por aquilo que ama, é porque
não ama nada. Todas as grandes coisas são inseguras; vêem-se por entre as trevas: é necessário
avançar para elas por terreno desconhecido; por isso, toda a vocação, toda a empresa séria tem
algo de aventura, de aposta. E implicam audácia e confiança.

Não estou apostando naturalmente na irreflexão, na frivolidade, no aventureirismo barato. O que
quero dizer é que todo o amor supõe um salto no escuro: a gente lança-se para aquilo que ama e
está certo que esse salto não será uma loucura, porque ninguém se engana quando vai para aquilo
que merece ser amado.
 
A vida merece ser amada. E merece-o apesar de sabermos que nela haverá muitas quedas e muitos
tropeços. Mas quem tiver medo de tropeçar alguma vez, não se levante da cama pela manhã. Assim
evita sofrer. Porque já está morto.
 
[José L. Martin Descalzo — Razões para viver]

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Salvé Regina!