9.8.16

Florinhas de S. Francisco de Assis

Como S. Francisco, em companhia de frei Leão,
rezou Matinas sem Breviário

Capítulo IX

Estando uma vez S. Francisco, nos primeiros tempos da Ordem, com frei Leão, em um
eremitério, onde não havia livro para rezar o ofício divino, quando foram horas de matinas, disse S. Francisco a frei Leão:

– Caríssimo, nós não temos breviário por onde possamos rezar Matinas; mas, para empregarmos o tempo nos louvores de Deus, eu irei dizendo e tu hás-de responder, conforme ao que te ensinar; e acautela-te de não trocar as palavras que te eu disser. Eu direi desta forma: «Ó frei Francisco, tu fizeste tantos males e tantos pecados no século, que és digno do inferno». E tu, frei Leão, responderás:

«Verdadeira coisa é que mereces o inferno profundíssimo».

E frei Leão respondeu com simplicidade columbina:

– De boamente, padre. Começa em nome de Deus.

Então S. Francisco começou a dizer:

– Ó frei Francisco, tu fizeste tantos males e tantos pecados no século, que és digno do inferno.

Respondeu frei Leão:

– Por ti fará Deus tantos bens, que irás para o paraíso.

– Não digas assim, frei Leão; mas quando eu disser: «Ó frei Francisco, tu praticaste tantas
iniquidades contra Deus, que merecedor és de que Ele te amaldiçoe»; tu hás-de responder:
«Verdadeiramente és digno de ser metido entre os réprobos».

E frei Leão respondeu:

– Assim farei, padre.

Então S. Francisco, com muitas lágrimas e suspiros, a bater no peito, disse em alta voz:

– Ó Senhor meu, Deus do céu e da terra, eu cometi tantas iniquidades e tantos pecados contra
Ti, que, em verdade, sou digno da tua maldição.

E frei Leão contestou:

– Ó frei Francisco, Deus te fará tal, que entre os benditos serás singularmente bendito.

E S. Francisco, surpreendido de que frei Leão respondesse ao contrário do que lhe tinha
imposto, repreendeu-o dizendo:

– Porque não respondes como eu te ensino? Mando-te, por santa obediência, que respondas tal
qual eu te ensinar. Eu direi assim: «Ó frei Francisco, miserável, pensas tu que terá Deus misericórdia de ti, depois de teres cometido tantos pecados contra o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação,que nem digno és de alcançar misericórdia?» E tu, frei Leão, minha ovelhinha, hás-de
responder: «De nenhum modo és digno de alcançar misericórdia».

Mas quando S. Francisco disse: «Ó frei Francisco, miserável, etc.», frei Leão respondeu:

– Deus Pai, cuja misericórdia é infinita mais do que teu pecado, fará contigo grande
misericórdia, e te cobrirá de muitas graças.

A esta resposta, S. Francisco, docemente irado e pacientemente perturbado, disse a frei Leão:

– Porque presumiste ir contra à obediência, que já são tantas vezes que respondes o contrário
do que te eu disse e mandei?

Respondeu frei Leão, com muita humildade e reverência:

– Padre, Deus me é testemunha de que, todas as vezes, eu quis, deveras, responder como tu
mandavas; mas Ele me obrigou a falar como era de sua vontade, e não como eu queria.

De que S. Francisco tomou grande maravilha, e disse a frei Leão:

– Eu te peço encarecidamente que desta vez me respondas como eu te disser.

Respondeu frei Leão:

– Diz, em nome de Deus, que, por certo, desta vez, te responderei como desejas. E S. Francisco, chorando, disse:

– Ó frei Francisco, miserável, pensas tu que Deus terá misericórdia de ti?

E frei Leão respondeu:

– Antes receberás de Deus inumeráveis graças, e te exaltará e glorificará na eternidade,
porque todo o que se humilha será exaltado. E eu outra coisa não posso dizer, porque Deus fala
por minha boca. E, assim, nesta humilde contenda, com muitas lágrimas e consolações espirituais, vigiaram até de manhã.

Seja Cristo louvado.
Ámen.
 
 
[Trechos - S. Francisco de Assis]

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